pirajuçara, 2012 – 2023

série composta por 9 fotografias
impressão jato de tinta sobre papel de algodão e projeções
dimensões variadas
2023, pintura a óleo sobre linho 240 x 180 cm

“Era uma história proibida que eu pesquisei,
documentei e transformei em obra artística;
a história de um rio que destruiu uma biblioteca.
Pirajuçara é o nome dado pelo povo Tupi ao rio em torno do qual viveram até o início
do século XX e onde hoje está localizada a cidade de São Paulo no Brasil; 
um ecossistema invadido e destruído pelo homem moderno.
Mas Pirajuçara é sinônimo de resiliência,
de resistência da natureza
e de sua total indiferença a tudo o que chamamos de cultura.”

      “Pirajuçara é o nome dado pelo povo Tupi ao rio em torno do qual viveram até o início do século XX e onde hoje está localizada parte da cidade de São Paulo, no Brasil. Pira significa peixe e juçara significa palmeira. A bacia do Rio Pirajuçara ocupa uma área onde hoje está localizada parte da cidade de São Paulo. Desde o início do século passado, os Tupi não vivem mais no seu entorno. O Vale do Pirajuçara começou a receber o excedente populacional de São Paulo. O processo de urbanização foi caótico, negligenciando planos e estudos abrangentes para toda a bacia. Vários trechos do leito do rio foram estreitados e endireitados e começaram a despejar lixo e esgoto não tratado de toda a região. O rio passou por tantas transformações importantes ao longo dos anos que, em resposta, tornou-se um inimigo furioso da população. Durante a estação chuvosa, invadia casas, derrubava calçadas e muros e até arrastava pessoas com sua correnteza violenta. 
Desde a década de 1970, Pirajuçara está invisível, pois foi canalizada, soterrada e sua mata ciliar destruída. Enquanto em muitas partes do mundo os rios estão integrados à paisagem urbana, servindo como espaços de recreação, transporte ou abastecimento, no Brasil nossos rios são usados ​​principalmente para produção de eletricidade ou como esgotos. À catástrofe social se soma a catástrofe ambiental.

     Em 2011, enquanto cursava artes visuais na Universidade de São Paulo, descobri que o prédio destinado a abrigar a biblioteca geral da Cidade Universitária havia sido devastado pelas águas do Rio Pirajuçara durante uma enchente em 1988. Enquanto aguardava a avaliação dos peritos, a administração pública interditou o prédio e seu entorno. Uma grande cerca foi erguida e o lugar permaneceu escondido e esquecido por mais de 20 anos.
Fui até lá e me deparei com uma cerca enorme cercando uma floresta. Pulei o portão e entrei. A cena era incrível: um prédio em ruínas, invadido por uma vegetação densa. Uma grande escada redonda bem no centro indicava mais um andar abaixo do nível da rua. A diferença de luz entre o interior escuro e o dia claro de verão lá fora ofusca minha visão. Apesar disso, o que vi foi maravilhoso. Havia um rio lá embaixo! O interior do edifício na escuridão contrastava com o verde brilhante da vegetação, e o rio refletia tudo como um caleidoscópio. Sem enxergar direito, senti que meus pés pisavam em água e parei de descer. Peguei minha câmera, mas olhando pelo visor, não vi nada. Ajustei a câmera empiricamente e tirei as fotos mostradas aqui. A diferença entre as áreas de alta e baixa luminosidade dificultou não apenas a minha visão, mas também a fotografia da cena. Teria que voltar com uma câmera mais potente e um tripé.
Subi para os outros andares, anotando rapidamente o que via em fotos e desenhos. Tive medo.
Propus ao meu professor de realizar um trabalho de site specific. Enquanto pensava meu projeto e sua viabilidade, e aguardava autorização oficial para realiza-lo, um acidente grave durante uma festa ilegal levou as autoridades a demolirem o prédio.
O governo, finalmente percebendo a fragilidade e a importância ecológica do local, fechou-o permanentemente. Não consegui mais entrar.

     O Pirajuçara cobrou a invasão de suas terras e a destruição de seu ecossistema. A explosão da canalização sob a biblioteca da USP mostrou que o rio ainda estava vivo. O acidente que libertou suas águas e o isolamento do lugar possibilitaram a regeneração da mata ciliar. Suas sementes permaneceram no solo por décadas cobertas com concreto. Quando as águas do Pirajuçara romperam essas estruturas, molhando a terra e permitindo a entrada da luz, as sementes germinaram, realizando o grande milagre da vida. A vegetação que engoliu o prédio pertence ao bioma Atlântico, um dos mais devastados do Brasil.
Atualmente, a área permanece fechada, aguardando a regeneração da vida vegetal, animal e mineral.

     A arquitetura metafísica da modernidade baseou-se na ideia de “natureza” como algo externo ao homem, o que permitiu sua exploração e domesticação. Nós não habitamos mais a Terra, nós a exploramos. Nesse contexto, é revelador e extremamente simbólico, que alguns integrantes da natureza tenham destruído a biblioteca da maior Academia do Brasil.

     Meu trabalho toma emprestado o nome que o povo Tupi deu ao rio: Pirajuçara, para contar sua história. Ela é  inspiração e exemplo.
Por meio da recuperação de fotografias tiradas em 2011 e da pintura criada em 2023, esta obra é uma homenagem a um ecossistema que superou a cultura humana.

Apresentação:

Uma seleção de cinco fotografias tiradas em 2011 será apresentada em dimensões aproximadas de 160 x 240 cm, impressas ou projetadas. Suas dimensões precisas e a escolha entre impressão ou projeção dependerão das condições do espaço expositivo e da possibilidade de utilização de projetores adaptados a ele.
Nas fotografias nas quais predomina a escuridão, o preto é sinônimo de informação e não de vazio. Para isso, basta que sejam corretamente impressos ou projetados e iluminados.
No primeiro caso, a impressão será jato de tinta pigmentada sobre papel de algodão.
Todas as imagens do arquivo fotográfico criado em 2011 podem ser exploradas e apresentadas impressas em uma vitrine, em monitores ou projetadas.

Pintura realizada em 2023 à carvão e óleo sobre linho. Dimensões de 240 x 180 cm