pirajuçara, 2012 – 2023

fotografia

impressão fine-arts jato de tinta sobre papel algodão

projeção

Pirajuçara é o nome dado pelo povo Tupi ao rio em torno do qual viveram até o
início do século XX e onde hoje está localizada parte da cidade de São Paulo, no Brasil. Pira
significa peixe e juçara significa palmeira. A bacia do Rio Pirajuçara ocupa uma área onde
hoje está localizada parte da cidade de São Paulo. Desde o início do século passado, os
Tupi não vivem mais no seu entorno. O Vale do Pirajuçara começou a receber o excedente
populacional de São Paulo. O processo de urbanização foi caótico, negligenciando planos
e estudos abrangentes para toda a bacia. Vários trechos do leito do rio foram estreitados e
endireitados e começaram a despejar lixo e esgoto não tratado de toda a região. O rio
passou por tantas transformações importantes ao longo dos anos que, em resposta,
tornou-se um inimigo furioso da população. Durante a estação chuvosa, invadia casas,
derrubava calçadas e muros e até arrastava pessoas com sua correnteza violenta.
Desde a década de 1970, Pirajuçara está invisível, pois foi canalizada, soterrada e sua mata
ciliar destruída. Enquanto em muitas partes do mundo os rios estão integrados à paisagem
urbana, servindo como espaços de recreação, transporte ou abastecimento, no Brasil
nossos rios são usados
​​principalmente para produção de eletricidade ou como esgotos. À
catástrofe social se soma a catástrofe ambiental.

     Em 2011, enquanto cursava artes visuais na Universidade de São Paulo, descobri que o
prédio destinado a abrigar a biblioteca geral da Cidade Universitária havia sido
devastado pelas águas do Rio Pirajuçara durante uma enchente em 1988. Enquanto
aguardava a avaliação dos peritos, a administração pública interditou o prédio e seu
entorno. Uma grande cerca foi erguida e o lugar permaneceu escondido e esquecido por
mais de 20 anos.
Fui até lá e me deparei com uma cerca enorme cercando uma floresta. Pulei o portão e
entrei. A cena era incrível: um prédio em ruínas, invadido por uma vegetação densa. Uma
grande escada redonda bem no centro indicava mais um andar abaixo do nível da rua. A
diferença de luz entre o interior escuro e o dia claro de verão lá fora ofusca minha visão.
Apesar disso, o que vi foi maravilhoso. Havia um rio lá embaixo! O interior do edifício na
escuridão contrastava com o verde brilhante da vegetação, e o rio refletia tudo como um
caleidoscópio. Sem enxergar direito, senti que meus pés pisavam em água e parei de
descer. Peguei minha câmera, mas olhando pelo visor, não vi nada. Ajustei a câmera
empiricamente e tirei as fotos mostradas aqui. A diferença entre as áreas de alta e baixa
luminosidade dificultou não apenas a minha visão, mas também a fotografia da cena. Teria
que voltar com uma câmera mais potente e um tripé.
Subi para os outros andares, anotando rapidamente o que via em fotos e desenhos. Tive
medo.
Propus ao meu professor de realizar um trabalho de site specific. Enquanto pensava meu
projeto e sua viabilidade, e aguardava autorização oficial para realiza-lo, um acidente
grave durante uma festa ilegal levou as autoridades a demolirem o prédio.
O governo, finalmente percebendo a fragilidade e a importância ecológica do local,
fechou-o permanentemente. Não consegui mais entrar.

     O Pirajuçara cobrou a invasão de suas terras e a destruição de seu ecossistema. A
explosão da canalização sob a biblioteca da USP mostrou que o rio ainda estava vivo. O
acidente que libertou suas águas e o isolamento do lugar possibilitaram a regeneração da
mata ciliar. Suas sementes permaneceram no solo por décadas cobertas com concreto.
Quando as águas do Pirajuçara romperam essas estruturas, molhando a terra e permitindo a
entrada da luz, as sementes germinaram, realizando o grande milagre da vida. A
vegetação que engoliu o prédio pertence ao bioma Atlântico, um dos mais devastados do
Brasil.
Atualmente, a área permanece fechada, aguardando a regeneração da vida vegetal,
animal e mineral.

     A arquitetura metafísica da modernidade baseou-se na ideia de “natureza” como
algo externo ao homem, o que permitiu sua exploração e domesticação. Nós não
habitamos mais a Terra, nós a exploramos. Nesse contexto, é revelador e extremamente
simbólico, que alguns integrantes da natureza tenham destruído a biblioteca da maior
Academia do Brasil.

     Meu trabalho toma emprestado o nome que o povo Tupi deu ao rio: Pirajuçara, para
contar sua história. Ela é  inspiração e exemplo.
Por meio da recuperação de fotografias tiradas em 2011 e da pintura criada em 2023, esta
obra é uma homenagem a um ecossistema que superou a cultura humana.

Apresentação:

Uma seleção de cinco fotografias tiradas em 2011 será apresentada em dimensões
aproximadas de 160 x 240 cm, impressas ou projetadas. Suas dimensões precisas e a escolha
entre impressão ou projeção dependerão das condições do espaço expositivo e da
possibilidade de utilização de projetores adaptados a ele.
Nas fotografias nas quais predomina a escuridão, o preto é sinônimo de informação e não
de vazio. Para isso, basta que sejam corretamente impressos ou projetados e iluminados.
No primeiro caso, a impressão será jato de tinta pigmentada sobre papel de algodão.
Todas as imagens do arquivo fotográfico criado em 2011 podem ser exploradas e
apresentadas impressas em uma vitrine, em monitores ou projetadas.

Pintura realizada em 2023 à carvão e óleo sobre linho. Dimensões de 240 x 180 cm